domingo, julho 23, 2006

Sente aquilo que não vês

e continuo aqui, de rosto escorrido, sobre a cama com o som eterno da ventoinha que refresca o que não pode, olhos fixos no tecto imaculadamente branco, lixívia, o cheiro das mãos antigas, tecto branco, diferente do tecto do outro quarto, sujo, da casa de banho cinza pelado e húmido, da cozinha, um bordeux que conta o que sempre viu e a sala que acompanha um resto de céu, azul angústiante que sofoca quem por ali passa. Então mudo de acompanhamento, temperança é a carta que te sai, e entras no jogo, areia - texturas, escuro - cegueira, incenso - cheiros, eu - cheiros, tu - cheiros, eles - cheiros, guia-te de olhos fechados e encontrarás aquilo que pretendes cheirar, música - sons, escuta, escuta! ouve o murmúrio que te percorre, dá mais atenção, antevê aquilo que nunca quiseste ver, fica, fica eternamente nesse estado assustado de quem nunca quer ficar, de quem quer fugir mas que não quer ir, não te incomodes, vês aquela estante? vazia sim, vazia para ti, o teu novo pedestal, ao pensares que já ninguém te idolatra, enganaras-te, e agora... agora? agora não tens corpo, tornaste-te somente em espírito que por aqui passa.

Un Chien Andalou

como não poderia deixar de ser, aqui está!
Un Chien Andalou de Luis Buñuel e Salvador Dalí 1928